Prevenção de doenças e promoção da saúde na terceira idade

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“- Doutor, eu não sinto nada, mas estou aqui para começar a me prevenir, porque, afinal de contas, eu já estou com uma certa idade.”

Este é, frequentemente, o início do diálogo travado entre paciente e médico na primeira consulta com o geriatra. O paciente deseja ‘iniciar sua prevenção’, expressão que traz implícitas a pergunta sobre o que cabe a ele fazer para viver uma vida longa e produtiva e a expectativa sobre o que o médico lhe dirá. Comumente, ele espera que sejam solicitados exames e que sejam prescritos vários medicamentos, sobretudo vitaminas, com o propósito de prevenir ou de retardar o envelhecimento. Mas, qual o real papel do geriatra para ajudar o paciente a viver mais e melhor?

Sabemos que uma parte dos problemas de saúde que podemos ter na velhice tem origem genética, outra depende das exposições ambientais que nosso organismo venha a sofrer e uma terceira parte depende do nosso estilo de vida, isto é, das nossas escolhas. E é justamente nesta última que nos cabe intervir.

De forma geral, a prevenção se faz em três níveis:

  1. a) A prevenção primária, que é tudo que fazemos no intuito de remover causas e fatores de risco de um problema de saúde antes que a doença ocorra. Inclui a promoção da saúde e a proteção específica contra certas doenças (ex.: imunização, exercícios físicos).
  2. b) A prevenção secundária, que são as ações que visam detectar um problema de saúde em seu estágio inicial, muitas vezes subclínico, facilitando o diagnóstico definitivo e o seu tratamento, desta forma reduzindo ou prevenindo sua disseminação ou suas consequências no longo prazo (ex.: rastreamento de câncer de mama, estratificação do risco cardiovascular).
  3. c) A prevenção terciária, que são as ações que visam reduzir os prejuízos funcionais consequentes a um problema agudo ou crônico, incluindo as medidas de reabilitação (ex.: reabilitar um paciente após um infarto ou após um acidente vascular cerebral).

As principais condições passíveis de prevenção em um ou mais níveis são as doenças infecciosas, as cardiovasculares (sobretudo o infarto e o derrame), o câncer, as doenças respiratórias (como a doença pulmonar obstrutiva crônica) e as causas externas, como os acidentes de trânsito. A imunização, o rastreamento (visando o diagnóstico precoce), o aconselhamento e as mudanças de estilo de vida são, juntamente com os medicamentos, as principais intervenções que o geriatra irá propor.

A imunização do adulto é um tópico frequentemente negligenciado. Além da vacinação veiculada em campanhas, como a da gripe, é preciso discutir com o profissional se há indicação de outras vacinas previstas no calendário vacinal do adulto, como a vacina contra a bactéria pneumococo (principal causadora de pneumonia em adultos), contra o vírus varicela-zoster (causador do herpes zoster), contra o tétano, a difteria e a coqueluche (dTPa), contra a hepatite B e contra a febre amarela.

O rastreamento visando o diagnóstico precoce tem como premissas básicas que a condição em questão representa um problema de saúde pública importante; que sua história natural é bem conhecida; que há um estágio pré-clínico (assintomático) bem definido, durante o qual a doença possa ser diagnosticada; que os benefícios da detecção e do tratamento precoces são maiores do que o que ocorreria se a condição fosse tratada no momento habitual de diagnóstico; que os exames que detectam a condição clínica no estágio assintomático estão disponíveis e são aceitáveis e confiáveis; e que o custo do rastreamento é razoável e não onere demasiadamente o sistema de saúde como um todo.

O bom rastreamento tem como pilares a boa entrevista clínica, o exame físico sistematizado e a solicitação individualizada e racional de exames complementares. Algumas condições específicas a ser ativamente buscadas e tratadas são a hipertensão, as alterações nos lipídeos (colesterol, triglicerídeos), a obesidade, a inatividade física, o diabetes, o tabagismo, o abuso de álcool, o uso de drogas ilícitas, a infecção pelo HIV e pelo vírus da hepatite, o hipotireoidismo, a perda cognitiva e os quadros depressivos, a osteoporose e o câncer. Sobre este último, há que se avaliar junto ao profissional de saúde a indicação individual de rastreamento para os cânceres de colo de útero, de mama, de cólon (intestino), de pulmão, de pele e de próstata, discutindo-se todos os prós e contras.

É papel do médico realizar a estratificação do risco cardiovascular do paciente a partir dos dados de seu histórico clínico e laboratorial, como a história familiar de doença coronariana, a presença de hipertensão, tabagismo, diabetes e alterações dos lipídeos, de modo a propor as estratégias farmacológicas e não-farmacológicas de redução do risco de infarto e derrame. O emprego preventivo do ácido acetilsalicílico e a indicação de medicamentos redutores de colesterol, por exemplo, se fazem conforme o perfil de risco de cada paciente.

Cabe-nos enfatizar um alerta quanto aos chamados tratamentos “antienvelhecimento”. Embora seja fácil encontrar quem os prescreva, até o presente momento, esses tratamentos carecem de qualquer respaldo científico e não são recomendados pelas autoridades médicas de nenhuma parte do mundo. Vitaminas, por exemplo, são compostos químicos com ações farmacológicas sobre o nosso organismo, e, desta forma, podem produzir efeitos colaterais indesejáveis. Em muitos casos podem não nos fazer qualquer bem e às vezes até nos fazer mal. Vitamina só faz bem quando é realmente necessária e por isso deve ter indicação médica.

Uma menção especial deve ser feita em relação ao exercício físico. O exercício regular e orientado permite o condicionamento cardiorrespiratório e ajuda a diminuir as perdas musculares decorrentes do envelhecimento. Idosos praticantes de exercícios têm maiores chances de se manter ativos e independentes e ainda apresentam redução de risco de comprometimento cognitivo. O exercício é um dos fatores que podem ser responsáveis pela variabilidade do estado geral exibido entre idosos de mesma idade. Estudos demonstram, por exemplo, que atletas sêniores apresentam maior variabilidade da frequência cardíaca (indicativo de preservação das funções do sistema nervoso autonômico) que indivíduos de mesma idade sedentários. Entretanto, não é necessário ser um atleta para envelhecer bem. A obtenção do que chamamos de “envelhecimento bem-sucedido”, condição em que o idoso exibe preservação de suas funções, seja no seu autocuidado, seja na sua capacidade de produzir e se relacionar com o mundo, não necessita de treinamento físico em nível de competição. O benefício máximo do exercício físico como promotor da saúde e da preservação funcional pode ser obtido conjugando-se regularidade em sua prática com a orientação profissional adequada na sua prescrição. De forma geral, procura-se manter um equilíbrio entre o fortalecimento muscular e o condicionamento aeróbico, sempre se tendo em mente as particularidades de doenças e as preferências dos indivíduos. É bom lembrar que exercícios não necessariamente são saudáveis. A prática de esforços físicos extenuantes ou mal orientados, por exemplo, pode sobrecarregar o organismo e o expor a lesões e agravos à saúde.

De forma geral, não há grandes segredos em relação ao que deve ser de fato feito para prevenir doenças:

– ter hábitos alimentares saudáveis,

– praticar atividades físicas regularmente,

– fazer acompanhamento médico periódico para o diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos eventuais agravos à saúde,

– ter descanso e lazer apropriados,

– cultivar bons pensamentos e manter a mente estimulada, ativa e produtiva.

Envelhecer é a simples consequência de não morrer antes do tempo. Envelhecer bem, esse sim, é nosso grande objetivo.

Por Leonam Martins – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

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